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SANTO ANTÓNIO E SÃO VICENTE, OS SANTOS PADROEIROS DE LISBOA. No dia 13 de Junho, data que se comemora o dia de Santo António, acontece na cidade de Lisboa a sua maior festa. As chamadas marchas …Mais
SANTO ANTÓNIO E SÃO VICENTE, OS SANTOS PADROEIROS DE LISBOA.

No dia 13 de Junho, data que se comemora o dia de Santo António, acontece na cidade de Lisboa a sua maior festa. As chamadas marchas populares, que explodem em um grande desfile alegórico, do qual participam todos os bairros da cidade, desfilam na noite do dia 12 de junho pela Avenida da Liberdade.

Pelos bairros de Lisboa, ainda é costume do povo reunir-se à porta de suas casas a assar sardinhas e reparti-las com quem por ali passar. Diz-se popularmente que toda a Lisboa cheira a manjericão e à sardinha assada durante as comemorações da maior festa da cidade. Além da apoteose das marchas populares, grupos folclóricos costumam fazer apresentações por diversos pontos de Lisboa. O feriado do dia 13 de junho é a homenagem do alfacinha (como é conhecido o lisboeta) ao Santo padroeiro da cidade.
Mas Santo António é mesmo o santo padroeiro da capital portuguesa? Curiosamente a resposta é negativa. São Vicente é o verdadeiro santo padroeiro de Lisboa, apesar de grande parte da população lisboeta não saber. O dia de São Vicente, padroeiro de Lisboa, é comemorado em 22 de janeiro. Não fosse a celebração habitual da diocese da cidade, a data passaria em branco para a maioria dos lisboetas. Ao contrário do que acontece em outras cidades do mundo de identidade cristã católica, cujo dia do santo padroeiro é feriado, em Lisboa não o é. Santo António é para o alfacinha, o seu santo padroeiro. Este equívoco histórico, religioso e popular tem as suas raízes nos primórdios da nação portuguesa, na época do seu primeiro rei, Dom Afonso Henriques, uma história que merece ser contada e conhecida por todos.

São Vicente de Saragoça, Inspiração ao Brasão de Lisboa
São Vicente de Saragoça, ou São Vicente de Fora, nasceu em Huesca, em Aragão (atual Espanha). Não se sabe a data do seu nascimento, os relatos apontam a sua existência de vida no fim do século III e início do século IV. A história deste santo chegou aos dias de hoje mais em forma de lenda do que em dados documentais. Reza a lenda que Vicente teria deixado Huesca ainda criança para viver em Saragoça.

São Vicente foi contemporâneo do imperador romano Diocleciano. Roma estendia o seu vasto império até a península Ibérica. Durante o seu reinado, Diocleciano reabilitou as velhas tradições romanas, incentivando o culto dos deuses antigos, proibindo o culto do cristianismo, iniciando aquela que seria vista pelos historiadores como a penúltima perseguição do Império Romano ao cristianismo. Em fevereiro de 303, Diocleciano promulgou um edito imperial que ordenava a destruição geral de igrejas e objetos de culto dos cristãos, ordenou que toda a população do Império fizesse sacrifícios aos deuses romanos.

Durante esta perseguição aos cristãos, Vicente, devotado cristão, recusou-se a obedecer às ordens imperiais de oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Por sua recusa, teria sido cruelmente martirizado até a morte, em 304. Após o martírio, o corpo de Vicente teria sido atirado aos animais, mas foi protegido por um corvo de ser devorado. Esta proteção teria sido vista pelos cristãos como um milagre, foi-lhe erguida em homenagem, uma igreja, e Vicente passou a ser cultuado como santo.

Com o fim do Império Romano, a península Ibérica sofreu a invasão dos mouros. Durante a época desta invasão, os muçulmanos, em 713, puseram o corpo de São Vicente em um barco e o deixaram à deriva no mar. O barco, levando as relíquias do martirizado, foi dar ao Promontorium Sacrum (Promontório Sacro, Cabo de Sagres, Portugal), que se passou a chamar Cabo de São Vicente. Os cristãos que aí viviam sob o domínio dos mouros, recolheram o corpo, transportando-o para uma ermida erguida em sua homenagem. Durante alguns séculos o culto a São Vicente alastrou-se por todo o território que seria futuramente o reino de Portugal.

Dom Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, foi quem decidiu resgatar o corpo de São Vicente aos sarracenos, que dominavam Sagres nessa época. Sob as ordens de Dom Afonso Henriques, as relíquias do santo foram levadas para Lisboa. Diz a tradição da lenda que, quando o corpo seguiu no barco, dois corvos o acompanharam a velar-lhe. As relíquias, transferidas de Sagres para uma igreja fora das muralhas de Lisboa, geraram uma intensa veneração dos habitantes daquela cidade por São Vicente, que em 1173, foi proclamado o santo padroeiro de Lisboa. O corvo, ave da lenda do santo martirizado em Valência, foi adotado como símbolo do brasão de Lisboa, permanecendo até os dias atuais.

Santo António de Lisboa, Aclamado Padroeiro Pelo Povo
A história de Santo António é quase da idade da história de Portugal. Oficialmente, o reino de Portugal teve a sua origem em 1139. Santo Antônio teria nascido no dia 15 de agosto de 1195, pouco mais de cinqüenta anos da formação da identidade da nação lusitana.

Nascido Fernando Martins de Bulhões, em Lisboa, no local onde hoje existe a cripta da sua igreja. Fernando era filho de uma família de pequena nobreza, foi batizado na Catedral de Santa Maria Maior, Sé de Lisboa. Aos 15 anos entrou para o mosteiro de São Vicente de Fora, pertencente à Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.

Fernando, cónego professo, deixou Lisboa à procura de maiores conhecimentos teológicos, indo, aos 17 anos, para o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ordenando-se sacerdote, sendo-lhe destinado o cargo de irmão-porteiro. Teria sido em Coimbra que começara a preparação dos sermões. De volta a Lisboa, Fernando entrou em contacto com os frades mendicantes franciscanos, dessa aproximação, ele decidiu pelo seu projeto de vida, vencendo assim, a busca espiritual sobre a satisfação intelectual. Em 1220, Fernando Martins obteve autorização para passar de Cónego Regrante a Frade Menor, adotando definitivamente o nome de António, em homenagem a Santo Antão Abade e Ermita.

É como frade menor, que António parte como missionário para o norte da África. Em 1222 já está em Assis, durante o primeiro Capítulo Geral dos Franciscanos ou Capítulo das Esteiras, iniciado no Pentecostes de 1221. Investido pelo próprio São Francisco, que lhe chamou seu Bispo, percorreu o norte da Itália e o sul da França, com a missão de pregar e ensinar aos frades.

Já doente, em Pádua, António reiniciou o ensino e a escrita dos seus Sermões Dominicais e Festivos. Em 1230 a debilitação da sua saúde obriga-o a pedir dispensa do cargo no Capítulo de Assis. Em 1231, morre a caminho de Pádua, em Arcella, numa sexta-feira de 13 de junho. A sua morte traz uma comoção entre a população, que lhe velam o corpo por cinco dias, sendo enterrado apenas na terça-feira, dia que foi definitivamente consagrado ao santo. Desde então, ficou a ser conhecido como Santo António de Pádua, só sendo conhecido como Santo António de Lisboa nos países de língua portuguesa.

A canonização de Santo António aconteceu em maio de 1232, sendo a mais rápida da história da igreja romana, que lhe valeu uma menção no Guiness Book. Em 1934 o papa Pio XI proclamou o santo o segundo padroeiro de Portugal, ao lado de Nossa Senhora da Conceição. Em 1946, o papa Pio XII declarou-o Doutor da Igreja Católica. Com o correr dos séculos, os lisboetas passaram a cultivar seu santo nativo, popularizando o seu culto, que ofuscou ao culto a São Vicente. Santo António foi proclamado pelo povo de Lisboa como o santo padroeiro. Para a igreja católica portuguesa, oficialmente São Vicente é o santo padroeiro da cidade de Lisboa. A perda de identidade deste santo com a população deve-se ao fato de Santo Antônio ter nascido em terras lusitanas, tornando-se uma das figuras mais importantes da história portuguesa. Mais de 800 anos se passaram do nascimento de Santo António, tempo suficiente para o esquecimento a São Vicente, só revelada no registro do brasão de Lisboa, que traz o corvo como símbolo. Este desencontro histórico entre o padroeiro real e o padroeiro eleito pelo povo, acirra-se à medida que o tempo passa. Enquanto isto, Lisboa vive o ludismo religioso de ter os seus dois santos padroeiros.

Texto de Jeocaz Lee-Meddi