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VILA DE CASTELO DE VIDE, EM PORTUGAL. A cerca de vinte quilómetros a norte de Portalegre, a pequena Castelo de Vide cobre as encostas em torno dum castelo, onde as casas brancas contrastam com a …Mais
VILA DE CASTELO DE VIDE, EM PORTUGAL.

A cerca de vinte quilómetros a norte de Portalegre, a pequena Castelo de Vide cobre as encostas em torno dum castelo, onde as casas brancas contrastam com a vegetação ao redor.

O centro de turismo está logo por detrás da Câmara Municipal, no meio da pavimentada Praça Dom Pedro V, na sombra da igreja de Santa Maria da Devesa – de planta quadrada com duas torres – do século XVIII.

Castelo de Vide está cheia de fontes e jardins públicos, e praças revestidas com potes de gerânios. A partir da rua principal, meia dúzia de ruas paralelas estreitas produzem uma subida acentuada até à apropriada chamada Praça Alta, no extremo norte, donde há vistas sobre a planície.

Há amplo estacionamento gratuito em áreas claramente marcadas ao redor da praça principal e ruas paralelas. Dada a sua dimensão, tem uma quantidade surpreendente de alojamento, grande parte no centro.

A rua principal, entretanto, termina numa rua de pedras, onde há uma fonte de mármore tranquila e os becos sinuosos da Judiaria – antigo bairro judeu que remonta ao século XIV.

No século XIV, o Rei Dom Pedro aforava Castelo de Vide ao seu físico – provavelmente judeu, pois, numa altura em que a população portuguesa era praticamente analfabeta, a literacia na comunidade judaica de Portugal já era significativa, inclusive entre as mulheres.

A expulsão dos judeus em Espanha, por parte dos Reis Católicos (Rainha Dona Isabel e Dom Fernando), fins do século XV, levou ao crescimento significativo da Judiaria em Castelo de Vide – já que fica perto da fronteira espanhola.

Aqui residia a família do Garcia de Orta, que participou na exploração de novos mundos e tornou-se amigo de outro aventuroso que viria a ser imortalizado como uma das mais importantes figuras da Literatura Portuguesa – o poeta Luís Camões, a voz da Era dos Descobrimentos.

Garcia de Horta foi um escritor, pioneiro, sobre os assuntos de botânica e medicina – veio a morrer em Goa (Índia). Para homenageá-lo foi empregue o seu nome a um dos maiores hospitais em Portugal.

Hoje em dia quando ouvimos Judiaria, pensamos em espaços segregados, os guetos da Alemanha Nazi, mas na altura a mentalidade é distinta – por decreto criam-se estes espaços para assegurar o grupo; a prática dos seus costumes em segurança e em paz. Prestavam contas diretamente ao monarca, o que era um privilégio singular e inacessível ao comum português.

A comunidade judia era próxima da corte real, donde vieram grandes cientistas e escritores, comerciantes e exploradores, diplomatas e espiões – determinantes na Época dos Descobrimentos.

Ocasionalmente a sua ascensão cria tensão social, contudo, em traços gerais, o povo convivia pacificamente desde o nascimento da nação – onde o mercado era o grande lugar de confluência para as comunidades.

Uma placa de sinalização leva-o à íngreme Rua da Fonte, passando por casas de portas e janelas góticas, e donde um olhar atento descortina a Sinagoga mais antiga em Portugal. Do lado de fora não se parece diferente das restantes casas – é o edifício de esquina – Sinagogas de exterior simples são típicas em Portugal.

No fim do século XV, o Rei Dom Manuel I pretende-se casar com a Princesa das Astúrias, Dona Isabel de Aragão e Castela.

Não se trata de amor, mas de gerar um herdeiro legítimo, não só do reino português como também da recente Espanha – todos os reinos na Península Ibérica estavam em processo de unificação sobre o poder esmagador de Castela (exceto um cheio de riquezas além mar…).

O casamento é uma estratégia de Dom Manuel que, pelo menos no universo dos sonhos, elimina futuras hostilidades com o único vizinho, muito superior em recursos populacionais – nesta época, Portugal terá perto dum milhão e meio de habitantes (e parte dos homens ativos navega por meio mundo). Assim, a haver uma unificação ibérica esta seria feita segundo um varão português.

Porém, os Reis Católicos exigem, como condição inegociável, a expulsão dos judeus em Portugal, algo que Dom Manuel I não queria de todo. Seria inimaginável para o fundador do reino português: Dom Afonso Henriques confiava plenamente a gestão das finanças do reino a um rabi judeu; tradição seguida por todos da sua linhagem.

Mas Dom Manuel acredita que a união é vital para a sobrevivência do reino e acaba por conceder a fazer desaparecer os judeus de Portugal… Após o casamento promulga várias medidas que torna impraticável a saída voluntária ou a expulsão dos judeus – o plano é convertê-los ao cristianismo — cristão novo (cripto-judeus).

As conversões foram uma tortura psicológica, muitas vezes física, e em casos extremos culminam em mortes – uma traição aos judeus portugueses.

Todo o processo, macabro, foi em vão: A jovem rainha de Portugal morre no parto de Miguel da Paz (herdeiro de Portugal, Castela, Leão, Aragão e Sicília) e este morrerá com apenas 2 anos (quando se encontrava com os avós; os Reis Católicos de Espanha). Inevitavelmente, no século XVI, Espanha e Portugal entrarão em rota de colisão.

Como “cristãos novos” os judeus são livres para saírem, que foi o que aconteceu com os portugueses que foram para Amesterdão e cujos descendentes assistem à anexação de Portugal (e das suas colónias) pela coroa espanhola (União Ibérica).

Os Países Baixos também lutam para ser independentes de Espanha e nesta altura criam uma importante força naval.

Mas a grande maioria dos judeus não tinha meios para sair e por cá ficaram como “cristãos novos”. Em Castelo de Vide, ainda hoje existem indícios da influência judaica: O bolo da massa em Castelo de Vide parece o pão ázimo consumido pelos judeus, e, durante a Páscoa, a bênção e abate dos borregos é feito duma forma que remete para o abate ritual dos judeus.

Mantenha-se na Rua da Fonte para se dirigir ao Castelo medieval, erguido por ordem de Dom Dinis, no século XIII – só viria a ser concluído no reinado do seu filho, Dom Afonso IV.

No princípio do século XIV, o alcaide-mor de Castelo de Vide é Aires Pires Cabral, precisamente o avô do explorador, cavaleiro da Ordem de Cristo, Pedro Álvares Cabral (creditado como o descobridor do Brasil).

Não menos importante, na povoação nasce Gonçalo Eanes de Abreu que participou, com bravura, na batalha (Aljubarrota) que assegura a independência de Portugal contra o poderoso exército de Castela de Espanha.

Foi membro da Ala dos Namorados; composta pelos mais jovens do exército, e onde se encontrava vários homens de confiança do então jovem líder militar (Dom Nuno Álvares Pereira) – as circunstâncias ditaram que na mocidade evoluíssem para guerreiros mortíferos.

Mais tarde, no mesmo ano, o valente Gonçalo Eanes de Abreu lidera uma ala militar na Batalha de Valverde (em Espanha perto de Badajoz – Valverde de Mérida) contra um exército bem mais numeroso e em condições muito desagradáveis. Em plena batalha têm que atravessar um rio e conquistar a margem do rio compacta de adversários.

Foi uma batalha muito difícil; Dom Nuno Álvares Pereira chegou a rezar durante a batalha – depois lidera a vanguarda enfrentando o afamado mestre da Ordem de Santiago de Castela (Pedro Muñiz de Godoy que foi decapitado no duelo). O exército castelhano perde a esperança quando o estandarte da poderosa ordem é derrubado.

O mestre da Ordem de Calatrava (Gonzalo Núñez de Guzmán; descendente do herói espanhol Alonso Pérez de Guzmán) também participou na batalha, mas se retira quando se torna óbvio que o conflito contra os homens de Dom Nuno está, mais uma vez, perdido.

Várias décadas depois Dom Nuno Álvares Pereira, já viúvo e após o falecimento da filha, opta por viver uma vida monástica como pobre. Distribuí a sua enorme riqueza aos seus netos, a algumas entidades religiosas e a leais irmãos de armas – a Gonçalo Eanes de Abreu oferece Alter do chão e o respetivo Castelo.